Esse mês tive a oportunidade de reler o clássico Frankenstein de Mary Shelley junto com o grupo do catarse. Pensei em deixar para escrever esse post somente depois da discussão (que vai acontecer na próxima semana), pois sempre há uma troca muito interessante quando conversarmos sobre um livro com outras pessoas, mas, desde que iniciei essa leitura, tenho refletido muito sobre a história e sentido vontade de registrar de alguma forma meus pensamentos. Fazer várias anotações nas margens das páginas e em post-its definitivamente não está sendo o suficiente e, como esse é um espaço em que me sinto segura e confortável para me expressar, aqui estou!
Frankenstein é uma obra que tem muito espaço no imaginário coletivo. Até mesmo quem nunca teve contato direto com o livro, já tem uma ideia do que se trata: um cientista que criou um monstro (já aviso que é muito mais do que isso!). Quando ouvimos o nome Frankenstein, muitas vezes o associamos a uma criatura enorme, verde, com parafusos na cabeça, que não consegue se expressar. Não sei exatamente quando essa imagem surgiu, mas acredito que tenha sido com uma das diversas adaptações cinematográficas (ainda não tive a oportunidade de assistir).
Se você pegar o livro para ler com essa imagem, vai se surpreender muito quando conhecer a verdadeira Criatura e, por que não dizer, o verdadeiro Monstro. Acho que a primeira grande surpresa é quando vemos que Victor Frankenstein é o nome do ambicioso cientista e não do “Monstro”. Ah, um fato curioso: na época em que o livro foi escrito e publicado (primeira versão em 1818 e segunda versão em 1831), o termo “cientista” ainda não era usado então ele não aparece no livro. Foi só depois de 1833 que esse termo começou, aos poucos, a ser conhecido.
Victor é de uma família rica e, desde muito cedo, tem a ambição de aprender “os mistérios do céu e da terra“. Ao iniciar seus estudos na universidade, decide que quer entender a origem da vida e, depois de muitos esforços, “numa noite lúgubre de novembro” contempla o sucesso de seus esforços. Porém, no mesmo momento em que sua Criação ganha vida e abre os olhos, Victor é tomado pelo horror. Muito assustado, ele percebe que não tinha pensado nas consequências de seus atos e simplesmente abandona a Criatura.
Enquanto Victor está se recuperando do “susto” fingindo que nada aconteceu, a Criatura fica sozinha solta no mundo. É um ser vivo que não tem ideia da sua origem, não sabe como se comunicar e tem uma aparência que causa repulsa e até mesmo ódio em uma sociedade em que a beleza está diretamente associada ao seu valor.
Ao contrário do que muitos imaginam, a criatura não é aquele ser verde com parafusos que a cultura pop nos mostra. Apesar de não ficar explícito no livro, Victor dá a entender que a criou usando partes de diversos cadáveres com características escolhidas “a dedo” por ele.
“Os membros eram proporcionais e os traços que eu escolhera para ele eram belos. Belos! – Meu Deus! Sua pele amarelada mal dava conta de encobrir o mecanismo de músculos e artérias debaixo dela; seu cabelo escorrido era de um preto lustroso; os dentes, de um branco perolado. Tais características luxuriantes, porém, apenas tornavam mais horrendo o contraste com o rosto enrugado, os lábios negros e retos e os olhos aquosos, os quais pareciam quase da mesma cor branco-acinzentada das órbitas em que se encaixavam.” (pg. 131 da edição da Penguin e Companhia).
Anos se passam até que a Criatura aprenda, por meio da observação, a se comunicar verbalmente e a ler. Além de aprender sobre a humanidade, descobre que tem um “pai criador” e decide ir atrás dele. Ao contrário daquela imagem de um monstro que não sabe falar, conhecemos uma Criatura que não só se expressa muito bem, como parece um filósofo erudito falando. Ao encontrar seu “pai”, conta todo o seu sofrimento e, ao invés de acolhimento e empatia, recebe mais repulsa. Victor não só tem pavor, como odeia seu “filho” e deixa isso bem claro para ele. Impossível não se perguntar quem é o verdadeiro monstro dessa história.
Apesar de ter muitas coisas interessantes para falar sobre esse clássico, o que me motivou a escrever esse post, foi uma reflexão que tive depois de conversar um pouco sobre meus pensamentos com o Beni. Quando estava comentando que, apesar de boa parte das pessoas confundirem, Frankenstein é o nome do Criador e não da Criatura, passei a ver isso de outra forma e fiquei com vontade de compartilhar esse pensamento com o mundo (ou, sendo mais realista, com quem encontrasse esse post hehe).
Com o passar dos anos, a sociedade deu a Criatura o reconhecimento que ela tanto queria, pois, ao associar o sobrenome Frankenstein a ela, estamos não só dando um nome como uma filiação. Se Victor Frankenstein tivesse gerado filhos do “modo natural”, ele transmitiria seu sobrenome para seus herdeiros. Victor não só não deu afeto e suporte a sua criatura, como nunca a deu um nome. Hoje, o (sobre)nome Frankenstein está diretamente associado a imagem que temos da Criatura, seja ela o “monstro verde” ou não. Enfim, a Criatura não só tem um nome, como esse nome prova que ela é “filha” de seu criador, Victor Frankenstein. Pensar isso me deixou feliz!
Vou parar por aqui, mas pode ser que no futuro volte a compartilhar nesse espaço mais reflexões e aprendizados que essa obra me trouxe. Vou adorar saber o que vocês pensam sobre isso, se já leram ou se animaram pra ler Frankenstein. Essa releitura só me fez ficar ainda mais encantada com essa obra.
9 comentários em “divagando sobre frankenstein (mary shelley)”
Interessantíssimo!
Adorei !
Gratidão Mel
Eu quero muito ler esse clássico e sinto que essa resenha, essas fotos… Era o incentivo que me faltava! Obrigada Mel! ♡
Amei esse ponto de vista, Mel! Tô com essa releitura na lista dos próximos livros também e adorei ter lido esse post antes de começar o livro.
Como fico feliz em ler esse post
Esse clássico é um queridinho aqui e é incrível como o significado por trás de “Frankenstein” vai muito além do que muitos de nós inicialmente percebemos. Suas reflexões sobre o nome do Criador e da Criatura oferecem uma nova perspectiva fascinante sobre o clássico. Realmente faz todo sentido como, ao longo do tempo, a sociedade atribuiu uma identidade à Criatura por meio do sobrenome. Suas observações me fizeram repensar a história. Obrigado por compartilhar seus pensamentos, Mel
De longe essa é a melhor reflexão sobre a história. Mel, minha mente explodiu! Fiquei morrendo de vontade de ler esse livro.
agora eu fiquei com vontade de ler essa obra. muito obrigada mel <3
Que bom que sua leitura rendeu bastante! É tão gostoso quando conseguimos nos conectar com a história, né? Eu tentei ler Frankenstein duas vezes e não consegui, mas ainda quero voltar pra esse livro algum dia!
Quanto ao nome dele, algo em que fico pensando desde que descobri sobre isso e alguém fala sobre a obra é se é justo que no fim das contas a gente chame a criatura pelo nome do criador, alguém que a abandonou, e não por um nome que seja só dela e a permita ser independente nessa esfera (e aí as reflexões acabam por aqui porque não li o suficiente da história para argumentar mais 😅).
Mel, nunca li o livro e já vi você o mencionar algumas vezes pelas redes, demonstrando sempre gostar bastante, porém confesso que apenas depois desse post surgiu em mim a vontade de ler a obra um dia. Parece tão cheia de reflexões profundas a se levar pra vida.
Obrigada por compartilhar um pouco da sua visão de forma mais particular.
Abraços <3
Foi minha leitura de Outubro/Halloween 2023 e achei o criador mesquinho e a criatura extremamente interessante, achei que os Capítulos dele é que enriqueceram o livro, enquanto do criador me dava um certo nojo. Mary Shelley foi genial nisso e principalmente nas reflexões politicas, culturais e filosóficas. Muito Obrigada por mais um conteúdo Mel, tem sido um deleite te acompanhar há quase uma década. <3